A vontade apaixonante que assistiu o nascimento da ACAS

A paixão febril que nos arrebatava por altura do nascimento da ACAS não nos permitiu pensar na missão da associação. Estávamos movidos pela pressa de fazer algo à nossa volta, algo com que nos identificasse e pusesse cobro à distância que os filhos das ilhas nascidos cá fora denunciavam. Essa emergência obrigou-nos a alinhar o pulsar dos nossos corações com a cultura de Cabo Verde.

Estávamos cansados de tentativas falhadas de criar algo pensado, estruturado e formal como inicialmente pretendíamos. Podia-se chamar de taberna a ideia primogénita. Ela reduzia-se à obtenção de um sítio onde as pessoas pudessem comer cachupa, beber aguardente e encontrar amigos de Cabo Verde.

A segunda ideia referia-se à criação de uma associação de moradores num bairro de realojamento social gerido pela Câmara Municipal de Sintra, habitado maioritariamente por caboverdianos. Essa ideia tinha consistência maior que a primeira, mas não se concretizou por falta de consenso entre os moradores.

A terceira tentativa falhou porque o grupo não chegou ao consenso sobre o fim da associação, se seria lucrativo ou não. “Se o nosso trabalho tiver valor, alguém vai pagar por ele e se não tem valor, não vale a pena fazer”, argumentava a ala lucrativa.

O fim da reflexão e início da Ação aconteceu em 2002 depois de uma viagem a Cabo Verde no âmbito do Congresso de Quadros Cabo-verdianos na diáspora.  Eu e o José Reis fomos contagiados pela febre associativa que brotava de participantes com alguma experiência na área. Regressamos a Portugal com a certeza de que precisávamos de agir. E agimos. A partir da criação da comissão instaladora, as ações fluíram umas a seguir às outras, cada uma formava a rampa de lançamento para a seguinte e com isso ganhámos asas e a missão foi ficando.

Estávamos em pulgas. Havia uma vontade férrea de fazer as coisas acontecerem. As frenéticas reuniões que organizávamos semanalmente, num dos quartos da minha casa, um espaço onde ocorreu intensos debates de ideias e trabalho da construção inicial. O nome não foi de fácil consenso. Uns questionavam o “ porquê Luso”. Outros “porquê de Sintra”. Luso porque queríamos ser inclusos pela língua portuguesa. De Sintra porque queríamos delimitar o espaço de ação. Já o logotipo foi acolhido por todos desde a primeira versão.

A festa de apresentação à comunidade, ficou marcada logo no dia da formalização da comissão instaladora da associação. “Podemos fazer uma festa com música, comes e bebes e aproveitamos para angariar dinheiro para as despesas de formalização”, sugeriu um dos elementos. Todos nós concordámos e saímos de lá com tarefas definidas para o efeito.

A ausência da personalidade jurídica não nos inibiu. A nossa paixão pela causa contagiou tudo e todos por onde passámos, abrindo portas que habitualmente só se moviam com credenciais formais.

Mesmo sem estar formalizados, fomos contactados pela escola número 2 das Mercês para fazer parte do conselho geral. Prontificámo-nos em colaborar com uma atividade multicultural com exposição sobre Cabo Verde com o objetivo de levar os pais à escola. Foi a primeira vez que pais de alguns alunos entraram na escola. Trouxemos a Caboverdeana professora de português e defensora do uso da língua crioulo para desmistificar o tema em voga na altura, se os pais deviam falar em casa português ou crioulo com os filhos. Cachupa, exposição com peças de Cabo Verde e batuque fez magia e aproximou aqueles pais da escola dos filhos.

Mal sabíamos que esses passos iriam definir quem seríamos 20 anos depois.